sexta-feira, 29 de abril de 2016

Sessão de Terapia: Com-vivendo com os próprios monstros

Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo
Abrir o peito a força numa procura
Fugir as armadilhas da mata escura

Filme: Como Treinar Seu Dragão

Quais são os seus monstros? Quando eles aparecem pra você?

Parece até bobagem falar em monstro para um adulto, porque parece que eles habitam só o universo infantil. E no entanto, é notável que eles não escolhem idade para aparecer. Talvez eles apenas tenham se adaptado para adentrar outros universos etários e assim, mudaram um pouco de aparência. Então, como é esse monstro que aparece para um adulto? Bem, em geral ele aparece como uma tsunami de emoções que tem sinais físicos de aceleração de batimentos cardíacos e da respiração, por exemplo; e sinais emocionais, pois a pessoa embarca em uma espiral de preocupações associados a outros sentimentos que ampliam a dimensão dessa onda.  Ou, dá ouvidos a uma voz desse monstro que teima em contar as incapacidades, os medos, o seu lado mais frágil. Monstros no universo adulto se apresentam com a culpa, o medo, a tristeza, a ansiedade, a angústia.

Deparar-se com uma intensidade de emoções como essa afeta a capacidade de discernimento racional da pessoa. Algumas paralisam, outras agem impulsiva ou, defensivamente. Depois que a crise passa, é tempo de olhar o estrago feito e se haver com os reparos necessários. Depois de tantas crises que se sucedem alguns anseiam combate-los! O que é preciso fazer para acabar com eles? Que armas eu preciso para vence-los? É com este pedido que muitas pessoas procuram por um psicólogo. E as ferramentas que nos são acessíveis convocam ao embate que acontece em outro plano. O embate é no palco psíquico com os monstros e heróis que surgirem ou que forem convocados - todos personagens que habitam o próprio sujeito. 

Uma animação da Disney, Como Treinar Seu Dragão,  ilustra bem essa situação. No filme, o protagonista Soluço é filho do líder de uma aldeia de vikings, que sofria constantemente o ataque de dragões. Assim, os vikings eram treinados para matá-los e buscavam dizimá-los para cessar os ataques. Mas, Soluço não tinha físico e nem habilidade para isso. Todas as suas tentativas acabava em situações desastrosas. Até que em uma dessas ele se depara com o dragão muito temido por toda a aldeia, bastava que Soluço enfiasse-lhe o punhal para atestar sua potencia de viking; só que ele não consegue e deixa o dragão ir embora. Soluço "fracassa" em sua missão porque se vê nos olhos do dragão e percebe que ele também sente muito medo. Após algumas confusões, Soluço mostra para a aldeia que é possível conviver com os dragões de uma maneira amistosa ao invés de serem caça - caçador.

Assim como na história, no enredo da vida as pessoas sofrem o ataque de seus monstros internos e buscam a mesma solução: instalar uma guerra contra eles. Mas, caçar os próprios monstros é declarar uma guerra a si mesmo. Porque estamos falando de monstros que são sentimentos inatos à nossa natureza. Não há como extingui-los, não há como não se deparar com eles nas esquinas sombrias da alma e nas situações adversas da vida. Então, o que fazer? A história infantil nos conta que não é preciso lançar mão da força, pois é possível estabelecer outro tipo de relação com eles.

No processo de psicoterapia o primeiro embate é o reconhecimento. É o reconhecer, o conhecer de novo, de novo e de novo; quantas vezes for preciso, quem é o monstro que se apresenta e quais são as circunstâncias que ele aparece. Conhecer, também, quais são os efeitos que causa no território psíquico durante e após sua aparição. Ao trazer-lhe à luz da consciência vai tornando-se possível a aproximação e o diálogo com ele.

Que forma ele tem? Qual é a sua dimensão? Qual é o seu nome? O que ele gosta de fazer comigo? Que chances eu dou para que ele apareça? O que ele causa em mim? O que eu faço com o que ele me causou?

Com esse diálogo passamos a conhecer quem é esse monstro. De monstro protagonista ele pode passar a ser um personagem coadjuvante, que dá sinais anunciando sua chegada e dá brechas para preparar para a sua passagem. Uma passagem que vai se redimensionando a cada visita, que vai perdendo sua força de onda tsunami. Como Soluço, descobrimos que o embate mais produtivo é o das palavras, com a atenção nos sinais do corpo e da mente, no encontro de recursos que canalizem a angústia, o medo, a culpa, a ansiedade.

Para fugir das armadilhas é preciso ascender algumas luzes na própria mata escura, abrir no peito a força na procura de si mesmo e das próprias potencialidades. É preciso dar a mão aos monstros e trazê-los para a luz da consciência. E nesse processo, descobrir que ainda que eles estejam povoando os arredores, não é preciso parar ou se desesperar. É possível seguir em frente mesmo com medo, ansiedade e angústia. É descobrir que a arte de com-viver com eles é discriminá-los de si mesmo para que eles passem por você, mas que não passem a ser você.

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