terça-feira, 8 de março de 2016

Em Comemoração: à Sabedoria da Natureza Feminina e às Mulheres

"Não se nasce mulher, torna-se"
Simone de Beauvoir




Hoje o blog inaugura a sessão Em Comemoração, um espaço dedicado à reflexão do sentido das datas comemorativas. Para inaugurá-la vamos começar com o Dia Internacional das Mulheres, que surgiu com as lutas do movimento feminista com a finalidade de ser um dia para lembrar o caminho percorrido pelas mulheres e suas conquistas. Em tempos atuais, em que o passado ainda se faz presente é, também, um dia para cuidar do que precisa ser preservado e refletir o que precisa ser alcançado frente a tantos preconceitos, desigualdades e as diversas formas de violência existentes.

Além da questão sócio histórica, esse dia nos convida a parabenizar as mulheres que compõe a trama de nossas vidas: a que nos relacionamos interna e externamente. Um dia para refletir o que é ser mulher, o que é o feminino. Como Simone de Beauvoir nos conta, a mulher não nasce pronta. Há um tornar-se, há um caminho a ser percorrido. Como será que se percorre esse caminho? Na crônica O Medo da Sementinha, Rubem Alves faz uma analogia maravilhosa da jornada da alma feminina de vir-a-ser-mulher através do processo de transformação da semente em árvore. 

história começa com o nascimento de Sementinha, que vive na natureza com a árvore-mãe. Um dia a mãe lhe conta que ela se tornaria uma árvore e para isso, teria que ter coragem e partir com o vento. Sementinha se assusta e pergunta à mãe como ela iria se transformar em árvore se ela era só uma pequena semente. Sua mãe lhe responde que assim como há, dentro de cada menina, uma mãe; há, dentro de cada semente, uma árvore adormecida. Um dia o vento soprou forte e Sementinha partiu; voou para longe e se abrigou em terras macias. Passou um tempo, algo começou a brotar e foi deixando de ser semente para ser broto de árvore, rompendo a superfície da terra. Com a incidência de luz, sentiu-se feliz por perceber que estava se transformando em árvore. 

Na  crônica o tempo marca duas passagens: a infância sob os cuidados materno e o processo de maturação. A primeira passagem é uma fase de preparação da casca, para que ela suporte a viagem com o vento e conhecer o que é o calor de um colo que nutre. Na segunda, começa-se a jornada da alma feminina, que se inicia com a necessidade de mudança trazida pelo vento. Para que ela aconteça, é preciso encontrar espaço em outro lugar geográfico. 

Essa etapa equivale ao processo da puberdade à vida adulta, no qual a separação não é geográfica-física e sim, geográfica-psíquica. Para isso, é preciso abrir o campo da consciência e reposicionar os papéis da menina à mulher. É preciso conceber e gestar a maturação física-emocional. É um caminho de descobertas de si própria, que cada menina deve percorrer para encontrar as mulheres que lhe habitam. Como as árvores: alongar-se para baixo da terra no desenvolver de suas raízes e para cima, na direção do céu, com seu tronco e diversos galhos que se ramificam como múltiplas possibilidades de ser.

A imagem da mulher-árvore gestando bebês no ventre e em outras instâncias de seu ser conversa com a história de Rubem Alves e com a travessia de tornar-se mulher. Afinal, estamos falando de gestações simbólicas no corpo psico-físico feminino. Não é preciso engravidar fisicamente para se tornar mulher. Tornar-se mulher envolve o conhecimento de outras instâncias de si mesma, da necessidade de assumir outros papéis e tomar atitudes que requerem amadurecimento. Exige um deixar-de-ser o que era, para vir-a-ser outra; que contém na raiz a memória do estágio ser-semente. Tornar-se mulher é um processo a se realizar por cada uma, à sua maneira. 

Nessa jornada da alma feminina é preciso reconhecer que a matriz da natureza feminina é a transformação. Uma transformação que é cíclica como as fases da lua, pois a cada mês a mulher sangra e não morre, nem está ferida. A cada mês há a vivência de um ciclo: que possui um ritmo periódico singular. A cada mês há a possibilidade de uma nova gestação. Assim, o funcionamento da natureza feminina revela a sabedoria ligada ao feminino: que sangra e não morre, sabe esperar, concebe, gesta, dá à luz e nutre. (KOLTUV, 1990)

Uma sabedoria que deve ser cultuada e honrada a cada vez que a roda-viva girar e apresentar a necessidade de adaptação, a cada vez que houver necessidade de dar vida em solos férteis da psique. E que não seja algo atrelado somente às mulheres, pois em momentos de crise a sociedade, inclusive os homens, se apropriem dessa sabedoria que traz a gestação e a maternagem do novo; como a força cíclica da natureza em constante transformação. Afinal, os ciclos giram como a roda-viva e envolve todos nós, seres humanos. 

Neste Dia Internacional das Mulheres celebremos e honremos, então, a sabedoria ligada à natureza feminina tanto na jornada de tornar-se mulher, como nos momentos de crise que a roda-viva carregar o destino pra lá! Feliz Dia Internacional às Mulheres e ao Feminino que habita todos nós!

*Referências:
Koltuv, B. B. A Tecelã: ensaios sobre a Psicologia Feminina extraídos dos diários de uma analista junguiana . Cultrix: São Paulo, 1990

Imagem: Google - autor desconhecido

terça-feira, 1 de março de 2016

Boas Vindas: A Arte da Psicoterapia

Que cada um possa encontrar o que lhe aplaca a dor. 
Para alguns a música, a poesia, a arte, a conversa, o recolhimento, a prece, a contemplação de uma árvore, a ação eficaz, a sensação do corpo, a concentração, o ócio, o estudo, a criação, o prazer são bálsamos, tônicos e elixires.
(Gambini, 2011, p.148)


Lágrimas de Freya, Gustav Klimt
Uma pianista diz ficar doente se não tocar piano de seis a oito horas por dia. Um bailarino que queira dançar como se deve precisa treinar diariamente a musculatura de seu corpo por um tempo análogo de horas. E o psicoterapeuta, pela mesma razão, tem que treinar o uso de suas ferramentas. (Gambini, 2011)

O ofício do psicólogo é a linguagem - a que se fala, a que se ouve, a que se lê, a que se escreve, a que se sente. E a psique, sua ferramenta. Para Gambini (2011) seu "ofício tem que ser tão treinado quanto a mão da pianista ou o corpo do bailarino"(p.35). O treinamento dessa ferramenta se dá pelo estudo e o conhecimento da estruturação psíquica-emocional do ser humano, da formação de ego e das defesas, da formação e da ativação dos complexos, das psicopatologias... 

Mas, será que apenas o treinamento dessa ferramenta seria suficiente para estar diante do outro e acessar o âmago de suas angústias, de seu coração ferido? Jung, além de uma vasta obra sobre a psique humana, deixou um recado àqueles que desejariam exercer tal ofício: 

    "Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas,
mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana"

Gambini (2011) acrescenta que a "psicoterapia é uma atividade interseccional, com um fundamento na ciência e outro na arte. Esse cruzamento gera um exercício único. De modo que ela requer tanto o preparo científico, como o treino constante do desempenho criativo do ofício" (p.36). Então, é preciso ir além do conhecimento da psique.

A linguagem que ecoa na alma e no coração não se lê nos livros acadêmicos e científicos para encontrar o que é que se aplaca a dor, a linguagem que atravessa a pele e toca. Essa linguagem é sentida através da música, da arte, da poesia. Porque, "a poesia nomeia, articula, coloca em palavras realidades que confusamente sentimos, e vivemos, mas que não saberíamos expressar" (Meneses, 2011, p.19).  

Pensando nisso nasceu a vontade de ter um espaço para registrar a coleção de pensamentos que vira e mexe me pego alinhavando entre teoria e poesia. Já que meu ofício se dá pelas mais variadas formas de linguagem, esse espaço será dedicado à lapidação das minhas ferramentas com pinceladas de reflexões teóricas, aos toques de poesia e no afinamento da melodia que toca a alma. 

Sejam bem vindos! 


*Referêencias:
Gambini, R. A Voz e o Tempo: reflexões para jovens terapeutas. 2ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2011

Meneses, A. B. Tempo e Analista. In: A Voz e o Tempo: reflexões para jovens terapeutas. p. 13 - 212ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2011

Imagem: esxtraída da internet - As Lágrimas de Freya, Gustav Klimt